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A história de um feito extraordinário


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Há muitos anos, em Medina, houve uma discussão entre um mercador e seu cliente. Naquela época, todas as lojas ficavam abertas para a rua, de modo que quando em um momento de fúria o comerciante deu uma bofetada no cliente, o fez diante de várias testemunhas. Apenas uma bofetada na cara, e quando o homem caiu no chão já estava morto. Reuniu-se uma multidão. Naquele tempo a justiça era imediata. Se uma pessoa tirava a vida de outra, pagava com sua própria vida.

O homem disse:

– Eu só bati nele, não pretendia matá-lo. Conheço a lei, e eu também devo morrer, mas antes que se faça justiça quero pedir uma coisa. Tenho dois órfãos sob meus cuidados, e precisaria de tempo para arranjar sua situação, seus cuidados e minha herança.

– Isso é impossível – disse o juiz. – Você acaba de matar um homem, não pode deixar este lugar.

Finalmente, e depois de escutar algumas opiniões, o juiz aceitou postergar a execução se o homem pudesse encontrar alguém que ocupasse seu lugar. O homem procurou com o olhar em meio à multidão, que já somava centenas de pessoas, e se deteve no rosto de um homem.

– Ele responderá por mim – disse o vendedor apontando para o homem.

– Você responderá por este homem? – perguntou o juiz.

 O homem olhou ao seu redor até estar seguro de que a pergunta era dirigida a ele, e respondeu:

– Sim.

O homem ficou sob custódia e o mercador, montando em seu cavalo, partiu a galope.

– Você conhece esse comerciante? – perguntou o juiz.

– Não.

– Então você deve conhecer o homem que morreu.

– Não.

– Mas como assim? Não entendo. Você se dá conta de que ficou como garantia desse homem, e que se ele não voltar será você o executado?

– Entendo perfeitamente – respondeu.

– Mas o que é que o faz arriscar sua vida desse jeito? – perguntou o juiz.

– O comerciante estava em grande dificuldade. Buscou nessa multidão e me escolheu. Entre essas centenas de pessoas, escolheu a mim para ajudá-lo em sua necessidade. Eu não podia me negar.

Passaram-se as horas. A multidão estava ansiosa. O mercador não voltava. Finalmente, se avistou a poeira de seu cavalo e pouco depois o homem entrava a galope no mercado.

– Desculpem meu atraso – exclamou. – Mas demorei todo esse tempo para encontrar alguém que aceitasse tomar conta dos órfãos que tenho sob meus cuidados.

O juiz e a multidão ficaram tão perplexos e comovidos com a honestidade desses dois homens, que a família do homem morto até mesmo perdoou a vida daquele mercador.

Este conto está publicado na coletânea O Guerreiro Invisível e outros contos do Tempo, da Editora Jaguatirica, uma publicação do projeto Aprendendo com Histórias da Oficina Escola de Arte Granada.