
A muito, muito tempo atrás, em uma noite de verão no Afeganistão, o rei decidiu sair de seu palácio e andar pela cidade para respirar um pouco de ar puro. Trocou então seus trajes reais por uns andrajos e assim vestido saiu, sozinho. Caminhou bastante, até chegar a uma região pobre no limite da cidade. Depois de um tempo, sentindo muito calor, reparou que brilhava uma luz pela janela de uma pequena casa; de lá vinha também uma bela voz que cantava chegando até seus ouvidos. O rei se aproximou e, olhando pela janela, viu um homem sentado à mesa, ao lado de sua esposa. Na mesa havia diferentes tipos de frutas e saladas e uma pequena jarra d’água. O homem bebeu um gole de água, provou algumas frutas e cantou cantos de louvor a Deus.
O rei ficou ali parado na janela O rei ficou ali parado na janela por alguns minutos, perplexo diante da paz e serenidade desse homem, e se perguntou qual poderia ser a fonte de sua felicidade. Então bateu à porta e quando lá de dentro perguntaram quem era ele disse que era um andarilho, e pediu para entrar e se refrescar um pouco. O homem, então, abriu imediatamente a porta e o convidou para dentro. Ofereceu-lhe comidas e bebidas e continuou com seu jeito alegre. Depois de um tempo, o rei perguntou ao seu anfitrião qual era o seu trabalho, e o homem respondeu:
“Sou um pobre judeu. Caminho pelas ruas durante o dia e conserto sapatos, e com o que consigo ganhar compro o suficiente para sustentar a mim e a minha esposa.”
O rei disse:
“Mas o que vai acontecer quando ficar velho e não puder mais trabalhar?”
“Não preciso me preocupar, pois há alguém que toma conta de mim”, disse o homem.
Essa resposta pegou o rei de surpresa.
“Quem é esse guardião? Vejo que você e sua esposa estão sozinhos em casa e que não têm filhos. E mesmo que vocês venham a ter filhos, vai demorar muitos anos até que eles cresçam.”
O homem sorriu e disse:
“Não é uma pessoa que me protege, e sim Deus, que Seu Nome seja para sempre louvado e abençoado.”
O rei riu ao ouvir isso, então se levantou e disse:
“Está tarde, eu preciso ir. Mas se voltar novamente aqui, ainda serei bem-vindo?”
O homem lhe disse que sim, seria bem-vindo a qualquer momento.
O rei voltou ao palácio e decidiu testar esse homem, para ver como ele se sairia em tempos de adversidade. Proclamou então um decreto proibindo que se consertasse sapatos na rua. No dia seguinte, quando o homem acordou e foi para a cidade, ficou pasmo ao ver que havia uma ordem proibindo que trabalhasse para conseguir seu sustento. Levantou os olhos para o céu e disse:
“Senhor, a porta para o meu sustento acaba de ser fechada. Mas tenho certeza de que Você abrirá alguma outra para substituí-la.”
Ao olhar em volta, viu um homem carregando um jarro de água e decidiu que daquele dia em diante também seria carregador de água. Foi até o mercado e comprou um jarro, depois foi ao poço, encheu-o e o levou de volta para a cidade até encontrar alguém que precisasse da água, e fez isso durante todo aquele dia. Quando chegou a noite, ele viu que tinha tanto dinheiro quanto de costume, o suficiente para comprar comida para si mesmo e sua esposa.
Naquela noite, o rei voltou à casa do judeu para ver como tinha se virado depois que a ordem real fora dada. Ficou assombrado ao olhar pela janela e ver que o homem estava tão feliz quanto antes. Então foi até a porta e bateu, e o homem o convidou para se juntar a eles na mesa. O rei então disse:
“O que você fez hoje? Pois certamente deve ter visto o anúncio do rei.”
O homem respondeu:
“O Sagrado, louvado seja Ele, não me abandonou, e como o rei me fechou uma porta, Deus abriu outra para substituí-la.”
Assim, contou ao rei que havia se tornado vendedor de água e como tinha ido bem em seu trabalho.
Depois de um tempo o rei se despediu e voltou ao palácio. No dia seguinte, proclamou um decreto de que estava proibido vender água na cidade, e que daquele dia em diante cada pessoa deveria ir tirar água do poço para si mesma.
Quando o homem voltou ao poço, descobriu que sua nova ocupação fora proibida pelo rei. E enquanto estava ali, pensando no que poderia fazer, um grupo de lenhadores passaram por ele a caminho da floresta para cortar lenha. Ele perguntou se podia ir com eles, e disseram que sim. Assim foi que durante todo aquele dia trabalhou duro cortando lenha e, no fim da tarde, quando vendeu o que havia cortado, ele viu que conseguira amealhar tanto dinheiro quanto conseguia consertando sapatos e vendendo água.
No final do dia o rei voltou à sua casa, curioso para saber como ele tinha se saído naquele dia. Quando soube que o homem conseguira um novo trabalho, decidiu criar um novo plano para testá-lo. No dia seguinte, chamou o capitão da guarda e disse:
“Leve seus soldados até a estrada que conduz à floresta, mande parar todos os lenhadores que estiverem passando e traga-os até o palácio. Vista-os então como guardas, lhes dê espadas, e faça com que montem guarda no palácio.”
O capitão da guarda fez como o rei comandara, e entre os lenhadores que foram trazidos ao palácio estava o judeu. Os lenhadores mantiveram guarda durante todo aquele dia, e de noite os novos guardas foram enviados para casa com seus novos uniformes e espadas. Mas não receberam nenhum pagamento, pois os guardas só recebem o seu salário uma vez por mês.
Assim foi que o judeu voltou para casa de mãos vazias e sem saber o que fazer, pois não tinha o suficiente para viver por mais um dia, que dirá por um mês inteiro. Mas nesse mesmo instante teve uma ideia e pôs-se a trabalhar: esculpiu uma espada de madeira, como as que ele brincava quando era criança, do mesmo tamanho e formato daquela que havia recebido do rei, e a colocou dentro da bainha. Saiu então com a espada do rei e vendeu-a, e com o dinheiro que conseguiu tinha o suficiente para viver até o fim do mês. Depois, foi ao mercado e comprou comidas e bebidas para si e sua esposa e voltou para casa feliz.
Qual não foi a surpresa do rei naquela noite, quando voltou à casa do judeu e o encontrou sentado à mesa como de costume, alegremente cantando canções de louvor a Deus, como se não tivesse nenhuma preocupação na vida. O rei lhe perguntou o que ele havia feito naquele dia e o homem contou-lhe tudo.
O rei então disse:
“E o que você vai fazer se o rei ficar sabendo sobre a espada?”
O homem respondeu:
“Eu não me preocupo com coisas que ainda não aconteceram. Simplesmente confio que Deus não há de me abandonar, e minha confiança n’Ele é forte.”
No dia seguinte, quando os guardas do palácio chegaram aos seus postos, o rei ordenou que se dirigissem todos ao centro da cidade, pois um homem seria executado naquele dia e era costume que todos os cidadãos fossem assistir ao cumprimento da sentença. Quando todos haviam se reunido e a execução estava prestes a acontecer, o rei ordenou que o judeu fosse chamado para cortar a cabeça do condenado, que havia roubado um melão dos jardins do palácio do rei. Ao ouvir isso, o homem ficou muito assustado e disse ao oficial que lhe dera a ordem:
“Não me peça para fazer isso, nunca matei sequer uma mosca!”
“É uma ordem do rei e você deve obedecer, caso contrário é você quem perderá a cabeça!”, disse o oficial.
Quando o homem viu que não havia saída, pediu que lhe fossem concedidos alguns minutos para rezar a Deus, pedindo que lhe desse coragem, e então faria o que lhe era pedido.
O judeu então pôs-se de pé diante da multidão e começou a rezar em silêncio. Depois, levantou os olhos para o céu e disse em voz alta:
“Meu Senhor, você me conhece muito bem, e sabe que nunca matei ninguém em toda a minha vida, e agora tenho a obrigação de fazer isso. Por favor, Senhor, se este homem na minha frente for culpado do que lhe acusam, permita-me desembainhar minha espada e cortar sua cabeça de um só golpe. Mas se não for culpado, Senhor, faz com que minha espada se transforme em madeira, como sinal de sua inocência.”
A esta altura, todos os olhos estavam fixos no judeu. Ele desembainhou sua espada e segurou-a bem alto. Quando todos viram que era uma espada de madeira, a multidão, que prendia a respiração, suspirou surpreendida, e em seguida começaram a bater palmas e gritar emocionados, pois imaginaram que era um milagre que acabavam de presenciar.
O rei ficou exultante ao perceber a sabedoria do homem, então chamou-o para perto de si e disse:
“Você me reconhece?”
O judeu olhou bem para o rei e disse, enfim:
“É o meu convidado! Foi você quem veio visitar minha casa quatro vezes!”
E o rei disse:
“É isso mesmo, e de agora em diante será você o meu convidado, pois vejo que é um homem de grande sabedoria, cuja confiança em Deus é forte e inabalável. Quero fazer de você minha mão direita e sempre ouvir os seus conselhos.”
E foi assim que o judeu e sua mulher foram viver no palácio, onde ele se tornou o conselheiro de confiança do rei. E tudo isso aconteceu graças a sua firme confiança em Deus, que seu nome seja abençoado para todo o sempre.
Fonte: Afeganistão
Tradição Oral
Versão encontrada no livro ‘Elijah’s Violin and other Jewish Fairy Tales’, de contos selecionadas e recontadas por Howard Schwartz